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Por algum tempo, quis crer que estávamos lutando, principalmente, por democracia no Brasil. Pela sua manutenção ao menos, mesmo diante de inúmeros problemas sociais, econômicos e políticos. Porém, confesso que estava enganado: a luta agora, em pleno 2019, é por civilidade.
Parece incrível, mas nossa outra meta é lutar por um "conjunto de formalidades, de palavras e atos que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo respeito e consideração, boas maneiras, cortesia, polidez". Diariamente, somos atacados, enquanto nação, por uma avalanche de retóricas agressivas que partem de membros que habitam o Palácio do Planalto e a Explanada dos Ministérios, responsáveis por conduzir o país.
E recorro ao ex-presidente do Uruguai, José Mujica, de 84 anos. Diz ele: "Sem mudar a cultura, não muda nada". A cultura pode ser entendida aqui como mentalidade, que deve ser alterada. Para Mujica, a democracia mundial está em risco por causa da concentração da massa financeira nas mãos dos ricos e a crescente desigualdade na Terra. Ele acrescenta: "Nunca o homem teve tantos recursos e meios científicos e técnicos para erradicar a fome e a miséria dos povos". As pessoas seguem a morrer de fome. O discurso não evolui para a prática. Ricos continuam ricos, e pobres, mais miseráveis.
A evolução tecnológica, como ressalta Mujica, muda a dinâmica social. Porém, a interação gerada pelos meios digitais precisa proporcionar outro tipo de integração para desenvolver a democracia. Acrescento: e retomar a civilidade entre as pessoas e, se possível, os diferentes espectros ideológicos. Vamos conceituar espectro político como um sistema para caracterizar e classificar diferentes posições políticas em relação umas às outras sobre um ou mais eixos geométricos que representam as dimensões políticas independentes.
Entretanto, Mujica lembra que as tecnologias "não têm moral". Assim, os homens e as mulheres da nova geração vão precisar fazer o bom uso delas. Tarefa instigante para a humanidade.
Mujica vai além, ao afirmar que conseguimos "ajudar essa gente (os pobres) a se tornar bons consumidores. Mas não conseguimos transformá-los em cidadãos. Queremos consumir como o primeiro mundo, enquanto ainda não resolvemos nossos problemas mais básicos. Isso resulta na criação de condições brutais de vida".
Sobre o governo Bolsonaro no Brasil, o ex-presidente uruguaio, já em janeiro de 2019, previa: "creio que o povo brasileiro encontrará um caminho para resistir, em parte, e preservar o que tem de melhor em si. Talvez as promessas sejam piores do que a realidade".
O presidente que recebeu mais de 57,7 milhões de votos no 2º turno da eleição e entra no nono mês de governo, portanto, completa o período de gestação, parece não ter aprendido ainda nada com a liturgia que o cargo exige. Age quase sem respeito nem civilidade com oponentes e desdenha de opiniões contrárias às suas. Usa um linguajar áspero, indigno para um dirigente máximo.
Ao infringir normas de civilidade e convivência democrática, Bolsonaro extrapola todos os limites institucionais e enxovalha a imagem do Brasil no planeta. Tais atitudes prejudicam o país nos acordos internacionais das mais variadas áreas.
Norbert Elias (2001) pregava que "alguém que não pode mostrar-se de acordo com o seu nível perde o respeito da sociedade. Permanece atrás de seus concorrentes numa disputa incessante por status e prestígio, correndo o risco de ficar arruinado e ter de abandonar a esfera de convivência do grupo de pessoas de seu nível e status". Il nous reste à prier, caros leitores e caras leitoras.